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LIPOVETSKY, Gilles. Império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução por Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Texto publicado por Adilson José de Almeida em Anais do Museu Paulista; história e cultura material. São Paulo, v.3, p.265-73, 1995

Professor de sociologia e seu trabalho, entre os livros traduzidos no Brasil nos últimos anos, é seguramente aquele no qual encontramos formulados e encaminhados com maior precisão e abrangência os principais problemas referentes aos estudos sobre moda. De maneira mais específica sua pesquisa desenvolve-se como uma história da moda, estabelecendo recortes precisos (a partir de critérios claramente expostos) afim de que possamos, em meio à enorme massa de informações, apreender as linhas gerais de seu desenvolvimento e as razões para as mudanças verificadas. Afasta-se, assim, da crônica linear e cronológica de eventos que caracteriza muitas obras neste campo e procura uma salutar renovação das análises tradicionalmente oferecidas; ao mesmo tempo, porém, desenvolve uma concepção de história que dissocia práticas e representações e traz muitas desvantagens para a compreensão do fenônemo. Por isso mesmo é de nosso interesse, após entendermos seus principais argumentos, nos determos nos impasses criados por sua abordagem.

Uma das principais questões formuladas pelo A. refere-se à centralidade da moda nas sociedades contemporâneas, o que a constitui como força efetiva na produção e reprodução social. A moda que surgiu como um fenômemo muito localizado na modernidade - nas cortes européias e por muito tempo restrito aos estratos sociais dominantes - experimentou um paulatino desenvolvimento até tornar-se um fenônemo onipresente e força hegemônica na atualidade; e se, até poucas décadas, ainda estava restrita a determinados estratos da população, hoje insinua-se fortemente em faixas etárias e classes sociais que antes não alcançava. Sua intensa difusão constituiria um processo fundamental das sociedades pós-industriais, fato que motiva uma dura crítica do A. à intelectualidade, em razão da marginalidade do tema nos estudos acadêmicos.

Esta reduzida exploração do assunto teria conduzido a um enfoque empobrecedor para compreensão das variações sucessivas que caracterizam a moda ao vinculá-las exclusivamente às estratégias de distinção social quando, na verdade, teriam surgido associadas a dois valores fundamentais da modernidade: a importância do novo e a expressão da individualidade. Reclama-se, portanto, a elaboração de uma nova abordagem para compreensão da história da moda e interessa-nos particularmente uma idéia a ela relacionada: "A moda não é mais um enfeite estético, um acessório decorativo da vida coletiva; é sua pedra angular. A moda terminou estruturalmente seu curso histórico, chegou ao topo do seu poder, conseguiu remodelar a sociedade inteira à sua imagem: era periférica, agora é hegemônica" (p.12).

Esta força estruturante da moda na organização social corresponde à realização de sua própria história, o que supõe a seguinte concepção: elementos que estavam potencialmente contidos nela desde seu surgimento realizaram-se plenamente na atualidade; o valor do novo e a expressão da individualidade, elementos que caracterizariam a moda hoje em dia, estavam implicados na prática da moda desde seu aparecimento no Ocidente. O problema das teorias hoje predominantes sobre o tema, que concebem as estratégias de distinção como o "motor da moda", deve então ser colocado nos termos de uma assimilação da origem da moda a uma de suas funções sociais. A origem de um fenônemo recolheria no seu interior as forças que: se manifestaram num tempo e num espaço geográfico determinados; impulsionaram seu aparecimento; definem sua natureza ainda que não tenham historicamente se efetivado. A função social consiste naqueles usos historicamente realizados (da moda) mas que não constituem necessariamente aquelas forças. O fato de a moda servir à distinção social não define sua verdadeira natureza; esta só pode ser apreendida quando relacionamos sua origem histórica à formação dos valores próprios das sociedades modernas.

Esta mudança de enfoque impor-se-ia também em função das dimensões políticas que ela implica. A consciência renovada que podemos desenvolver da vinculação estrutural da moda àqueles dois valores da modernidade seria importante para compreendermos o significado que, de forma paradoxal, o caráter fugidio da moda assumiria na consolidação dos regimes democráticos: quanto mais avança o efêmero mais impulso para a subjetividade autônoma, quanto mais impõe-se a frivolidade mais desenvolve-se uma consciência crítica e tolerante. Na verdade, o autor formula a tese do potencial democrático da moda: ela pode, ao efetivar-se historicamente, à medida que se desembaraça de outras tendências que contem ou dela se apropriaram, realizar os princípios políticos das sociedades liberais e a plena expressão da individualidade humana (não por determinação de uma necessidade histórica mas pela ação consciente dos sujeitos envolvidos).

O A. tem a clara intenção de renovar os estudos sobre moda, mas como podemos constatar sentiu-se obrigado a reviver a concepção histórica da "astúcia da razão" (p.17): a realização histórica da razão através de caminhos, dispositivos, estratégias que aparentemente a contradizem. Este revigoramento de uma concepção histórica de fundo idealista (hegeliano) simplesmente não se aproveita dos recentes desenvolvimentos da pesquisa histórica e prejudica a boa idéia de um questionamento da vinculação exclusiva do estudo da moda às questões de estratificação social. O principal problema que introduz à sua abordagem, como veremos, é uma dicotomia entre história social e história cultural, no entanto, devemos antes disso registrar alguns passos adiante que ela possibilita.

Afirma-se desde a introdução do livro a historicidade da moda, fenônemo específico das sociedades modernas, associado aos valores e formas de socialização próprios deste tipo de organização social. Ao procurar, portanto, elaborar uma abordagem histórica do fenônemo, retira o tema do âmbito das teorias que trabalham com a noção de "natureza humana": a moda não é um fenônemo universal verificável, com maior ou menor intensidade, em toda e qualquer sociedade. Neste aspecto em particular, talvez resida a maior contribuição deste estudo. O A. mostra-nos, inicialmente, como não podemos falar em moda nas sociedades tribais, antigas e medievais. De uma maneira variada predomina nestas o valor atribuído à permanência, fato capital que impede a formação do gosto pela mudança, do prestígio do tempo presente e da legitimidade da ação humana sobre o mundo. Assim, de maneira apenas indicativa, o autor nos lembra que a indumentária e seus acessórios, os penteados, as pinturas nas sociedades tribais experimentam mudanças, mas são variações que não escapam às regras fixadas pela tradição; que a toga-túnica egípcia, o peplo grego (traje feminino), a toga e a túnica romanas, o quimono japonês são alguns exemplos de vestuários que permanecem séculos sem conhecerem alterações significativas. Quando ocorrem mudanças na indumentária nestas sociedades, elas decorrem de influências externas - oriundas do contato com outras sociedades, sobretudo nos processos de conquista - ou se verificam em situações muito específicas e localizadas, como a imitação do corte de cabelo e barba de Alexandre pelos gregos ou a variação nos tipos de penteado feminino no Império Romano. Influências episódicas que impulsionam mudanças que tendem a estabilizar-se.

Esta concepção da moda permite sua caracterização mais precisa. Este fenônemo não consiste apenas nas variações ocasionais que podemos verificar, aqui e ali, nas diversas sociedades; a moda como tal exige a constância das variações que têm uma lógica própria ao seu desenvolvimento e que não se deve a influxos exteriores a ela como a imposição de modelos estrangeiros. Acrescente-se também uma precaução metodológica pouco observada na maioria das obras sobre moda: a distinção entre moda e vestuário. Dois usos diferenciados do termo são autorizados no senso comum: um ressalta o caráter efêmero das variações e sua ocorrência nas mais diversas atividades - criação musical, reflexão intelectual, no vestir-se, práticas esportivas, etc. - ou tipos de objetos - vestuário e indumentária, interiores de residência, etc.; outro remete exclusivamente ao vestuário, identificação que permite falar, sem maiores preocupações, em moda na Grécia, no Império Romano, nas sociedades da Antigüidade Oriental e outras.

Esta identificação entre moda e roupa, enquanto uso social, deve suscitar muito mais nossa análise do que nossa rejeição mas, no âmbito da pesquisa, torna-se imprecisão conceitual que impede uma correta formulação dos problemas. Quanto aos estudos sobres vestuário, pouca atenção se dá às roupas que se tornam "fora de moda" mas continuam tendo outros usos e às roupas que praticamente desconhecem o fenônemo: as roupas profissionais, eclesiásticas, os uniformes militares. Sobre estas quase não há interesse dos estudiosos e poucas obras pode-se encontrar a respeito, lacuna séria que prejudica uma compreensão mais abrangente e aprofundada das funções do vestuário. Por outro lado, o A. chama a atenção para o fato que as roupas são o "domínio arquetípico" da moda e constituem um meio estratégico para a compreensão deste sistema baseado em variações contínuas; esta observação ao mesmo tempo ressalta uma necessidade para a pesquisa, posto que seria de interesse a análise da moda em outros sistemas de objetos que não o vestuário e em outras atividades sociais nas quais se verifica o fenônemo.

No entanto, estes avanços tópicos que sua argumentação promove são obtidos a partir de uma determinada concepção histórica que compromete seriamente a compreensão das funções da moda na organização das sociedades modernas. Podemos acompanhar este problema nas análises do A. sobre a moda durante a Época Clássica e sobre o que denomina moda dos cem anos, um modelo de industrialização da moda marcado pela existência de dois pólos, a confecção industrial e a alta costura e que perdurou de meados do século XIX a meados do século XX. Diante dos reducionismos teóricos que ele julga serem a tônica neste campo, qual o tipo de abordagem que se impõe ao pesquisador?

"Ao contrário do imperialismo dos esquemas da luta simbólica das classes, mostramos que, na história moderna da moda, foram os valores e as significações culturais dignificando em particular o Novo e a expressão da individualidade humana, que tornaram possíveis o nascimento e o estabelecimento do sistema da moda na Idade Média tardia; foram eles que contribuíram para desenhar, de maneira insuspeitada, as grandes etapas de seu caminho histórico" (p.11).

Mais adiante reafirma-se:

"É porque o papel da representação do indivíduo não foi analisado em seu justo valor que as explicações da mudança de moda permanecem tão pouco convicentes... Para que aparecesse o impulso das frivolidades, foi preciso uma revolução na representação das pessoas e no sentimento de si, modificando brutalmente as mentalidades e valores tradicionais" (p.59).

Justa crítica à referência exclusivista do conflito de classes mas que somente articula um outro reducionismo na análise. Problematizada nos termos propostos, a moda não deixa de estar referida à estratificação social mas teria um significado mais profundo na medida em que não funcionaria apenas como mecanismo de diferenciação e hierarquização de classes e grupos sociais; ela seria expressão dos valores que conformariam a cultura moderna. Estes valores são, especificamente, as noções de novo e individualidade. Portanto, é por referência à história cultural - identificada à história dos valores e, de maneira mais ampla, das representações - que podemos apreender o sentido fundamental do nascimento histórico da moda e seu posterior desenvolvimento.

A modernidade se definiria, antes de tudo, como uma ruptura na ordem dos valores. O A., examinando o modelo teórico das classes sociais, reconhece a ascensão social dos estratos burgueses desde o século XIV e a preocupação da aristocracia em resguardar sua posição hierárquica e criar meios que assegurassem sua distinção social. Esta mobilidade que verificamos nas relações sociais explicaria, em parte, as contínuas variações que se instalam nos vestuários de cada pólo da oposição: inovação aristocrática, imitação burguesa, difusão da novidade, outra inovação aristocrática e assim sucessivamente. Neste esquema só ocorre inovação porque a anterior deixou de sê-lo e, portanto, deixou de funcionar como elemento diferenciador. No entanto, a difusão que apagaria as marcas distintivas não seria suficiente para explicar muitas variações ocorridas: há, com frequência, inovações que surgem antes mesmo que outras tenham se difundido em meios sociais diferenciados. Constataríamos, assim, que a inovação não é concebida unicamente para distinguir e deveríamos relacioná-la, segundo o autor, a um valor específico da modernidade: o ideal e o gosto das novidades, "próprios das sociedades que se desprendem do prestígio do passado" (p.54). Existiriam, portanto, variações sem significação nas relações sociais.

Outro modelo explicativo põe em evidência os conflitos de prestígio entre os estratos dominantes das classes sociais e teríamos assim concorrência entre nobreza de toga e nobreza de espada, entre nobreza de corte e nobreza provincial, que representaria outra chave para compreensão dos movimentos da moda. No entanto, pode-se observar: são as pessoas que ocupam o topo das relações hierárquicas - reis, rainhas, princesas, princípes, grandes senhores - aquelas que produzem as variações e são imitadas, justamente estas que não teriam preocupação em distinguir-se, uma vez que estariam fora das questões de ascensão social. O problema que devemos compreender aqui são os motivos que levariam a alta hierarquia a afastar-se das referências e finalidades anteriores. Finalmente, deveríamos considerar a falta de explicação, a partir do esquema da classe social, para o fato de que a busca de uma expressão pessoal caracterize fundamentalmente a moda - se se trata apenas de ostentar as marcas distintivas do grupo ou classe social como entender a intensa preocupação com a demarcação de uma individualidade?

A conclusão que devemos tirar destes argumentos seria a seguinte: o conflito entre classes sociais, ou de uma maneira mais ampla, a referência da moda às relações sociais historicamente estabelecidas, pode explicar o movimento de difusão de uma novidade mas não a expressão da individualidade, nem a origem da inovação e o afastamento da tradição que ela implica.

Poderíamos, talvez, acompanhar topicamente os argumentos do A. e avaliar, por exemplo, a proposta não inteiramente explicitada, segunda a qual devemos considerar as motivações pessoais de um rei ou grande senhor para produzir uma inovação e tomá-las como explicação da origem da variação. No entanto, a primeira observação a fazer ao enfoque proposto é a separação drástica, que está na base de sua formulação, entre práticas e representações na explicação de fenônemos sociais. O problema básico surge quando associamos, na forma proposta, o surgimento de uma prática como a moda a valores como os apontados: claro está que apenas deslocamos a questão do surgimento histórico da moda para o nascimento histórico destes valores. A renovação dos estudos sobre moda é uma necessidade, no entanto, os modelos propostos devem trazer um equacionamento mais fundamentado das relações entre práticas e representações (e nem desconsiderar a bibliografia existente sobre o tema). Quando nos referimos às diversas mudanças ocorridas na Europa durante os séculos XIV e XV, certamente não devemos minimizar as transformações nas relações sociais marcadas por uma maior mobilidade social. A moda e os valores a ela associados não podem ser entendidos fora dos quadros de relações sociais de um novo tipo que então ganha impulso.

Todo o problema retorna quando o A. analisa a moda dos cem anos vinculando as questões referentes à industrialização e aos inícios das sociedades de consumo de massa exclusivamente a tranformações na ordem dos valores. Segundo argumenta, se a roupa de moda torna-se um produto no mercado capitalista e, portanto, enquanto mercadoria tende à uniformização e à homogeneização, contrariando sua própria economia interna baseada na atividade de criação, podemos observar que também ocorre uma democratização da moda em função do enfraquecimento de determinados valores tradicionais e ascensão de valores democráticos.

De fato, observa-se na Europa a partir da segunda metade do século XIX e intensificando-se no século XX, a crescente difusão social da moda em vestuário, seu uso por outras camadas sociais antes sem acesso a este tipo de roupa. Mas este fenônemo deve ser explicado, segundo o A., em função das três seguintes mudanças. A primeira seria constituída pelas transformções na própria alta costura. Uma simplificação do vestuário feminino de moda a partir dos anos 20, com Chanel e Patou, tornou os modelos mais facilmente imitáveis, modificação fundamental que diria respeito principalmente ao que denomina amortecimento do princípio aristocrático do conspicuous consumption e que seria concomitante à ascensão do imaginário democrático da igualdade de condições. O luxo ostensivo concebido para marcar as distâncias sociais foi atenuado: os signos de distinção social não desapareceram mas foram reabsorvidos num luxo mais discreto (do tecido, do corte, da griffe).

O surgimento e a difusão das práticas esportivas seriam uma segunda mudança, um fator estético pois seu efeito consistiu sobretudo em uma significativa transformação na aparência das pessoas. Surgiu uma nova estética do corpo feminino - a mulher esguia, esbelta e em movimento, enfim a mulher moderna - tornando importante a exibição do corpo. É neste ponto, especificamente, que no texto é pressentida a autonomia pessoal - afirma-se uma relação dos novos trajes com o universo individualista-democrático mas não se desenvolve o assunto - na expressão da individualidade através do corpo desnudado no qual desfizeram-se os artifícios da indumentária em favor do "corpo natural".

Uma terceira mudança no vestuário de moda é também remetida a mudanças nos valores estéticos e concorreria para a simplificação do traje: a influência do despojamento estilístico presente na arte moderna. É amplamente conhecida a utilização de elementos de artes plásticas no trabalho de alguns famosos costureiros e aqui o A. pode apontar certos paralelos entre traços formais de roupas da moda e obras artísticas (linhas retas, planos nítidos e angulares, contornos geométricos).

Mas é neste último item que os novos valores implicados na moda podem ser melhor analisados pois o paralelismo entre moda e arte moderna vai muito além da existência de traços formais uma vez que o costureiro atingiu um novo status social: sua posição subalterna em relação ao usuário deu lugar ao costureiro como artista moderno, um criador. Existiam já, desde o século XVIII, vendedores e vendedoras de modas mas cuja autonomia para inovação era bem restrita em relação àquela da qual disporia Charles-Frédéric Worth, fundador da primeira casa de alta costura, realizando-se apenas sobre os ornamentos e acessórios da toalete e nunca sobre o próprio traje.

Costureiro e artista não se aproximariam apenas no exercício de uma atividade criativa mas também quanto à sua nova forma de atuação e organização: a vanguarda. Explicaríamos porque é possível constatar um intercâmbio pessoal e profissional constante entre famosos costureiros e conhecidos artistas plásticos e porque encontramos na moda não só as mesmas lutas de tendências mas também a mesma lógica da revolução (é o ápice da idéia da inovação) e a mesma valorização do Novo, presentes no trabalho artístico.

Esta promoção social das pessoas que trabalham com moda, anterior à constituição das sociedades democráticas, está ligada a transformações na representação social da moda. Lipovetsky observa como à exclusividade de uma literatura crítico-moralista que só descrevia o vestuário em função de certos valores afirmados ou fustigados substituiu-se a hegemonia de um novo meio especializado em roupas de moda, as revistas ilustradas e uma nova dignidade da moda na literatura (Balzac, Baudelaire, Mallarmé, Proust). O que significaria este processo? Segundo o A., trata-se da ascensão de duas paixões democráticas: o superinvestimento em questões relacionadas ao parecer e um interesse sem precedentes pelas novidades, ligadas a um fenônemo de maior alcance, a valorização das frivolidades - comer, fumar e outros assuntos considerados menores.

A reivindicação do status de arte para o ofício da moda constituiu também um esforço corporativista que fora antes desenvolvido por pintores, escultores e arquitetos mas no caso da moda ela fez-se segundo valores das sociedades democráticas: o ideal igualitário que se manifesta nas tentativas de afirmar para as roupas de moda a mesma qualidade nobre das obras da literatura e das artes plásticas e reivindicar o mesmo tratamento de que os artistas desfrutavam entre os nobres. Finalmente, uma nova moral individualista-hedonista, hegemônica nas sociedades modernas explicar-nos-ia para além das reivindicações corporativistas as transformações na moda: ela teria feito recuar os valores heróicos da nobreza e as restrições religiosas cristãs relativas às frivolidades mundanas. O A., no entanto, poderia ter formulado com mais acerto seus problemas. Ele não se furtou à análise de aspectos das transformações sociais envolvidas nestes problemas mas foi obrigado a arrolá-los como condições que explicam tenuamente a origem da moda e não forças que impulsionaram efetivamente seu aparecimento histórico. No caso da moda, nos séculos XIV e XV ele preocupou-se com a reflexão sobre um terceiro valor associado a ela e que a caracteriza de forma mais completa como expressão da cultura moderna - a nova importância do mundo "sensível": a moda em vestuário implica lidarmos com a materialidade da roupa, o que expressa uma ruptura fundamental que impulsiona a modernidade: a legitimidade da ação do homem sobre o mundo terrestre.

O problema começa a ser formulado na crítica e na retomada que se faz dos temas de Veblen. Sua obra representaria um terceiro e mais acabado modelo de explicação em termos de relação de classe no interior do qual, através da noção de consumo conspícuo, a moda é relacionada ao luxo ostentatório que demarca a honorabilidade social daquele que pode mantê-lo. Este enfoque recebe uma análise mais prolongada porque dele, conforme argumenta o A., poderíamos extrair uma conseqüência máxima destes modelos e ao mesmo tempo entrever uma característica fundamental da moda, até então obscurecida. Veblen caracteriza toda moda como essencialmente "feia", uma vez que produz um acúmulo de inovações não funcionais, concebidas apenas para exibição. Na perspectiva deste sociólogo, a dimensão estética da moda seria muito "reduzida" ou "inexistente". Esta conclusão inaceitável, segundo Lipovetsky, não nos deve fazer abandonar o conceito de consumo conspícuo. A dificuldade surge porque Veblen não deu atenção suficiente ao problema do luxo. Este supõe uma aplicação intensa sobre os elementos físicos dos objetos - forma, cor, matéria-prima, etc. - na busca da exibição visual das diferenças e hierarquias estabelecidas e a partir do século XIV, o luxo encontrou na moda um largo campo para seu desenvolvimento. Aqui as relações sociais insinuam-se novamente na formação dos movimentos da moda. A ostentação de luxo tornou-se necessidade fundamental para a nobreza européia a partir do século XIV quando seu prestígio social e poder político começaram a experimentar um acentuado refluxo, obrigando-a aos "gastos suntuários de representação", a uma acirrada luta em torno de signos distintivos.

Referimo-nos então à formação das sociedades de corte como forma de encaminhamento dos conflitos entre estratos da burguesia, da nobreza e monarquias. No entanto, estas transformações sociais e políticas não podem dar-nos a inteligibilidade da moda mas apenas do encontro moda/luxo, que acentua os efeitos estéticos que a primeira deve fornecer. As "condições sociais de emergência da moda" são, então, a noção esboçada pelo A. para evitar as interpretações mecanicistas e deterministas em análise social mas ao preço de "separar" definitivamente relações sociais e produção de sentido (neste caso, especificamente, de valores culturais).

Com relação à moda industrializada do século XIX, ele também não deixa de considerar as transformações econômicas e sociais que conformam um novo período para a moda em vestuário. A partir desta época, a roupa, antes um objeto de fabricação artesanal e doméstica muitas vezes apenas para consumo próprio e não para comercialização, passa gradativamente a transformar-se num produto industrial: primeiramente (por volta dos anos de 1820) as roupas que não eram de luxo na confecção industrial e posteriormente (a partir de 1857/8) as roupas de luxo que passaram a constituir a alta costura. Estabelece-se, de um lado a produção limitada de artigos de luxo diferenciados e, de outro, a produção massificada de artigos comuns padronizados. (Ao longo do tempo, a confecção industrial atingiria um patamar de diversificação dos produtos, dado o contínuo progresso tecnológico que experimentou, no entanto, até bem recentemente os modelos eram fornecidos pela alta costura).

Trata-se, portanto, da transformação da roupa de moda em mercadoria na sociedade capitalista. O A. define a alta costura como uma empresa de criação e de espetáculo publicitário. A partir de Charles Worth a roupa de moda constitui um produto comercializado por uma empresa, um artigo oferecido a clientes e não encomendado e definido pelo usuário ao qual o(a) costureiro(a) atendia. Os modelos são concebidos pelo costureiro, posteriormente apresentados aos clientes e executados sob medida após escolha. E a roupa de moda é comercializada segundo uma nova técnica que começava a desenvolver-se, a publicidade, esse o sentido da inovação na apresentação dos modelos: em desfile de mulheres jovens portando as roupas de luxo (inicialmente denominadas "sósias", mais tarde manequins).

Concebida como empresa, a confecção de roupas de moda estabelecerá seu ritmo de criação e apresentação, ou seja, de produção e circulação, segundo interesses comerciais: o A. mostra-nos como as datas de apresentação sazonais (inicialmente apenas verão e inverno e depois incluindo outono e primavera, a meia-estação) tornaram-se fixas em função das exigências dos compradores profissionais estrangeiros a partir da intensificação do comércio internacional após a Primeira Guerra Mundial. A organização comercial da alta costura já tornava pouco antes, nos anos de 1908/10, os desfiles em apresentações espetaculares com horários fixos nos salões das grandes casas.

Estruturada segundo os novos padrões industriais, a moda em vestuário tenderá a anular as incertezas que poderiam prejudicar a comercialização: as contínuas mudanças nas roupas, que caracterizam o vestuário de moda, não experimentarão uma aceleração, como se acredita comumente, mas uma regularização: a um ritmo aleatório e a um certo fortuito na origem das inovações impuseram-se o ritmo regular e a especialização na criação (exclusiva agora do costureiro).

O surgimento da alta costura - comercialização empresarial da roupa feminina de luxo - acentuou uma certa unificação do traje europeu que se esboçava desde o século XVIII mas que até então mantinha significativas diferenças de caráter nacional. A alta costura francesa, articulada à confecção industrial, expandindo-se para outros países e difundindo-se para outras camadas sociais de menor poder aquisitivo, viria também a constituir um produto de consumo de massa, elaborado em série e padronizado.

Nenhuma destas transformações na produção do vestuário é convocada pelo A. para dar-nos a inteligibilidade do fenônemo moda. A roupa de moda, enquanto mercadoria, constituiria apenas um obstáculo à realização do potencial democrático da moda e não poderia constituir explicação para a vinculação desta aos valores modernos do novo e da individualidade.

Como se percebe, apenas arroladas para explicar a importância da dimensão estética da moda, as condições sociais e culturais não podem constituir fatores que expliquem a origem histórica da moda. Estranhamente, tais condições são dispensadas da explicação fundamental do fenônemo, consistindo apenas numa espécie de receptáculo passivo que dá ao fenônemo uma localização de tempo e lugar mas não constituem, em nenhum momento, as forças que atuaram para seu aparecimento. Partindo de uma má colocação do problema da moda, numa concepção que desarticula práticas e representações, Lipovetsky, ainda que ponha em evidência no seu trabalho a importância do "sensível" na organização social, perde a oportunidade de elaborar uma proposta de encaminhamento para a análise das dimensões materiais da moda como fenônemo social.